O palco geopolítico do Oriente Médio é, inegavelmente, um dos mais intrincados e dinâmicos do globo. É um território onde séculos de história, religião e disputas por recursos se entrelaçam com ambições políticas e ideologias em choque. Neste intrincado xadrez, a República Islâmica do Irã, uma teocracia autodeclarada adversária de Israel, emerge como um dos atores mais cruciais e controversos. A ideia, frequentemente defendida, de que “ser contra Israel” neste conflito é um erro estratégico, dada a natureza ditatorial do regime iraniano, é um ponto de partida para uma discussão essencial, mas que, por si só, simplifica em demasia a miríade de fatores que moldam as percepções globais e as dinâmicas regionais.
Desvendando a Redução: “Contra Israel” não Implica Alinhamento com o Irã Autoritário
É um equívoco perigoso e, infelizmente, comum, acreditar que qualquer crítica às ações de Israel automaticamente posiciona o indivíduo ou nação ao lado do regime iraniano e de suas políticas. Essa polarização, que busca forçar uma escolha binária, obscurece a profundidade e a diversidade das motivações que impulsionam as opiniões sobre o conflito. A verdade é que a crítica a Israel, ou a qualquer país, pode e deve ser dissociada de qualquer endosso a governos autoritários e seus métodos.
Muitas das objeções às políticas de Israel nascem de genuínas e profundas preocupações humanitárias e de direitos humanos. A situação nos territórios palestinos sob ocupação, o impacto devastador das operações militares sobre as populações civis em Gaza e na Cisjordânia, as políticas de expansão de assentamentos e o contínuo bloqueio de Gaza são questões que mobilizam organizações internacionais, governos e a sociedade civil em todo o mundo. Para aqueles que defendem a dignidade inerente a todo ser humano e a aplicação rigorosa do direito internacional humanitário, a natureza autocrática do regime iraniano não serve como justificativa ou mitigação para ações que possam ser consideradas violações de direitos. A busca por justiça e responsabilização é universal e não pode ser seletiva.
Além disso, muitas das vozes críticas a Israel não têm qualquer vínculo ou simpatia pelo Irã, mas sim são impulsionadas pela convicção de que as políticas atuais de Israel minam a possibilidade de uma solução de dois estados. Essa solução, que prevê a coexistência pacífica de um Estado palestino independente e soberano ao lado de Israel, é amplamente reconhecida pela comunidade internacional como o caminho mais promissor para uma paz duradoura na região [1]. Argumenta-se que a ocupação prolongada, a contínua expansão dos assentamentos e as severas restrições à liberdade de movimento e ao desenvolvimento econômico dos palestinos inviabilizam progressivamente a criação de um Estado palestino contíguo e viável.
É crucial estabelecer uma distinção clara entre as críticas direcionadas a um governo e o repúdio a um povo. Criticar as políticas de um governo específico em Israel não se traduz em ódio ou deslegitimação do povo israelense ou de sua existência. Da mesma forma, opor-se veementemente ao regime teocrático do Irã não implica ignorar o sofrimento do seu próprio povo, que, em muitas instâncias, é a principal vítima da repressão estatal. Para um número crescente de indivíduos e entidades, a verdadeira busca não reside na escolha entre “Israel bom” ou “Irã bom”, mas sim em uma “terceira via” que prioriza a justiça, a paz e o respeito incondicional aos direitos humanos para todos os povos da região, independentemente de suas afiliações políticas ou alianças geopolíticas.
A Busca Frustrada pela Paz: O Histórico das Negociações e Seus Entraves
A narrativa do conflito israelo-palestino, embora marcada por violência e desconfiança, também inclui períodos de intensos esforços diplomáticos. É inegável que Israel, em diversas ocasiões, demonstrou disposição para negociar e se engajar em discussões para uma solução pacífica, inclusive buscando a viabilidade de dois estados.
Momentos históricos como os Acordos de Oslo (1993 e 1995) representaram um avanço significativo. Eles estabeleceram o reconhecimento mútuo entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e criaram a Autoridade Palestina (AP) com autogoverno limitado, vislumbrando um processo gradual que levaria à autonomia palestina plena [2]. Posteriormente, a Cúpula de Camp David (2000), as negociações em Taba (2001), a proposição do Roteiro para a Paz (2003) e as iniciativas subsequentes como a Conferência de Annapolis (2007) e a Iniciativa Kerry (2013-2014), são testemunhos de tentativas sérias de se chegar a um acordo. Nestes momentos, Israel apresentou propostas substanciais, evidenciando uma busca por uma resolução.
Contudo, a concretização de um acordo de paz duradouro e o estabelecimento de um Estado palestino independente ao lado de Israel permanecem uma quimera. Os obstáculos são multifacetados e profundamente enraizados:
- Questões de Status Final Irresolutas: Os pontos mais contenciosos e que sistematicamente bloqueiam o progresso incluem o status de Jerusalém (reivindicada por ambos os lados como capital), as fronteiras finais (baseadas nas linhas pré-1967 com potenciais trocas de terra), o destino dos assentamentos judaicos na Cisjordânia (cuja expansão continua a ser um ponto de atrito), o direito de retorno dos refugiados palestinos e os complexos arranjos de segurança que seriam necessários para ambos os estados. Cada um desses temas carrega um peso histórico e emocional imenso, tornando as concessões extremamente difíceis para ambas as partes [3].
- Crise de Confiança e Vontade Política Fragilizada: Uma profunda e arraigada falta de confiança entre as lideranças e populações de ambos os lados tem sido um fator recorrente de sabotagem das negociações. Adicione-se a isso as divisões políticas internas em Israel e na Palestina, que frequentemente resultam em governos instáveis e falta de consenso para tomar decisões dolorosas, mas necessárias.
- Ciclo de Violência e Extremismo: Atos de violência e terrorismo perpetrados por grupos militantes palestinos e ações das forças de segurança israelenses e de colonos têm repetidamente descarrilado os esforços de paz. Cada incidente violento aprofunda as cicatrizes, endurece as posições e alimenta a retórica do ódio, tornando o ambiente para negociações produtivas cada vez mais hostil.
- Assimetria de Poder e Ocupação: Críticos argumentam que a significativa assimetria de poder entre Israel e os palestinos, com Israel na posição de potência ocupante, dificulta negociações genuínas e equitativas. A realidade da ocupação, com suas restrições e impactos diários na vida palestina, cria um contexto de poder desequilibrado que muitas vezes é visto como um impedimento fundamental para um acordo justo.
- Desunião Política Palestina: A persistente divisão entre o Fatah, que governa partes da Cisjordânia, e o Hamas, que controla a Faixa de Gaza, complica a capacidade dos palestinos de apresentar uma frente unificada e negociar com uma única voz, enfraquecendo sua posição nas conversações.
Esses obstáculos, profundamente enraizados na história, na política e nas emoções, demonstram que, mesmo com momentos de genuína busca por paz, a complexidade do conflito torna a consecução de uma solução pacífica um desafio hercúleo, que exigiria concessões dolorosas e um nível de confiança atualmente inexistente.
As Ambiciosas Ameaças do Irã e as Implicações para a Ordem Global
É imperativo reiterar que a retórica belicosa do regime iraniano, que frequentemente profere ameaças de “varrer Israel do mapa”, e seu contínuo enriquecimento de urânio para níveis que levantam sérias suspeitas sobre seu programa nuclear, são ações totalmente inaceitáveis e profundamente desestabilizadoras para a segurança regional e global.
A ameaça existencial a Israel, proferida repetidamente por líderes iranianos, não apenas incendeia um Oriente Médio já volátil, mas também serve como uma poderosa justificativa para as políticas de segurança de Israel, incluindo suas ações militares defensivas e, por vezes, preventivas. Além disso, essa retórica hostil contribui para o isolamento diplomático do Irã, solidificando a percepção de um ator revisionista e perigoso no cenário internacional.
No que tange ao programa nuclear iraniano, o enriquecimento de urânio é o ponto central da preocupação global. Embora Teerã insista que seu programa visa fins pacíficos, como a geração de energia e aplicações médicas, o nível de enriquecimento e a quantidade de urânio acumulado frequentemente excedem o necessário para tais propósitos e podem ser rapidamente convertidos para a produção de armas nucleares [4]. As razões pelas quais o Irã não deveria prosseguir por esse caminho são evidentes e alarmantes:
- Risco de Proliferação Nuclear: A aquisição de armas nucleares pelo Irã desencadearia inevitavelmente uma perigosa corrida armamentista no Oriente Médio. Outros países da região, especialmente os rivais árabes sunitas, sentir-se-iam compelidos a desenvolver suas próprias capacidades nucleares para garantir sua segurança, aumentando exponencialmente o risco de um conflito nuclear.
- Desestabilização Regional Acelerada: Um Irã com armamento nuclear seria percebido como uma ameaça ainda mais iminente por Israel e pelos países árabes do Golfo, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos. Isso levaria a um aumento drástico das tensões, a uma militarização sem precedentes e à constante sombra de um ataque preventivo.
- Violação de Acordos e Normas Internacionais: O programa nuclear iraniano já resultou na imposição de sanções internacionais e na negociação do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), o histórico acordo nuclear de 2015. A continuidade do enriquecimento de urânio para além dos limites acordados, ou o desenvolvimento de armamento nuclear, representaria uma flagrante violação desses compromissos e das normas de não proliferação nuclear global.
- Risco à Segurança Global: A posse de armas nucleares por um regime que mantém uma retórica tão hostil e um histórico de apoio a grupos proxy em conflitos regionais representa um risco inaceitável para a paz e a segurança em escala global.
Em resumo, não há justificativa plausível para que o Irã persista em sua retórica ameaçadora contra Israel ou para que prossiga no desenvolvimento de armas nucleares. Tais ações não apenas desestabilizam profundamente uma região já volátil, mas também colocam em xeque a segurança internacional e minam os esforços diplomáticos para uma coexistência pacífica e a estabilidade mundial. A pressão internacional sobre o Irã para que abandone essas atividades é, portanto, não apenas justificada, mas essencial para a manutenção da ordem global.
A Resposta Global: Sanções, Diplomacia e a Linha Tênue da Dissuasão
Diante das ameaças iranianas e da preocupação com seu programa nuclear, a comunidade internacional, liderada pelas principais potências ocidentais e por organismos multilaterais como as Nações Unidas, tem empregado uma abordagem multifacetada. Essa estratégia combina pressão diplomática intensa, sanções econômicas severas e, em alguns momentos, até ações militares veladas ou ameaças de retaliação.
- Sanções Econômicas: A Ferramenta da Coerção: As sanções são, sem dúvida, a ferramenta mais utilizada para pressionar o Irã a alterar seu comportamento, especialmente no que diz respeito ao seu programa nuclear.
- Sanções do Conselho de Segurança da ONU: Historicamente, o Conselho de Segurança das Nações Unidas impôs diversas rodadas de sanções abrangentes, visando o programa nuclear e de mísseis do Irã. Essas sanções restringiam o comércio de bens e tecnologias sensíveis, o acesso do Irã a financiamento internacional e seu vital setor de energia. Embora muitas delas tenham sido suspensas com a assinatura do JCPOA em 2015, algumas permaneceram, e outras foram reintroduzidas ou expandidas posteriormente [5].
- Sanções Unilaterais (EUA e Outros): Os Estados Unidos, em particular, têm sido um ator-chave na imposição de sanções. Após sua retirada do JCPOA em 2018, os EUA reimposeram e expandiram sanções abrangentes sobre o Irã, atingindo setores vitais da economia iraniana, como a exportação de petróleo, gás, produtos petroquímicos, o setor bancário e o transporte marítimo. O objetivo claro é sufocar as receitas do Irã e limitar drasticamente sua capacidade de financiar seu programa nuclear e suas atividades regionais desestabilizadoras. Outros países e blocos, como a União Europeia, também mantêm sanções específicas.
- Impacto no Irã: As sanções têm tido um impacto devastador na economia iraniana, contribuindo para a alta inflação, a desvalorização da moeda, a escassez de bens e dificuldades financeiras generalizadas para a população. A lógica por trás dessa pressão econômica é que ela pode forçar o regime a reconsiderar suas políticas e se submeter a acordos internacionais.
- Diplomacia e Negociação: O Caminho do Acordo Nuclear (JCPOA): Apesar da pressão das sanções, a diplomacia sempre foi um pilar central na abordagem internacional.
- O Acordo Nuclear de 2015 (JCPOA): Este acordo histórico foi o ápice de anos de intensas negociações entre o Irã e o grupo P5+1 (Estados Unidos, Reino Unido, França, China, Rússia, mais a Alemanha). O JCPOA impôs restrições significativas e verificáveis ao programa nuclear do Irã, limitando severamente seu enriquecimento de urânio e permitindo um regime de monitoramento e inspeção rigoroso pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), em troca do alívio das sanções [6].
- Desafios Atuais: A retirada unilateral dos EUA do JCPOA em 2018, seguida pela gradual violação por parte do Irã de alguns de seus compromissos (incluindo o enriquecimento de urânio para níveis mais altos e a restrição de acesso a inspetores da AIEA), criou uma profunda crise. Esforços diplomáticos para reviver o acordo ou negociar um novo têm enfrentado enormes dificuldades, dada a desconfiança mútua e as mudanças nas prioridades políticas.
- Monitoramento e Verificação: O Papel da AIEA: A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) desempenha um papel crucial e insubstituível na verificação do programa nuclear iraniano e na garantia da não proliferação.
- Inspeções e Acesso: A AIEA mantém inspetores no Irã que monitoram continuamente as instalações nucleares e verificam se o país está cumprindo suas obrigações de não proliferação nuclear. O JCPOA, em particular, expandiu significativamente o acesso da AIEA, mas o Irã tem, por vezes, restringido esse acesso, levantando novas e sérias preocupações.
- Relatórios e Transparência: A AIEA publica relatórios regulares sobre o programa nuclear iraniano, fornecendo informações vitais e transparentes à comunidade internacional sobre o nível de enriquecimento, o estoque de urânio, a presença de materiais nucleares não declarados e outras atividades. Recentemente, a AIEA tem expressado crescente preocupação com a falta de cooperação do Irã e com a quantidade e o nível de enriquecimento do urânio acumulado.
- Respostas às Ameaças Contra Israel: As ameaças do Irã de “varrer Israel do mapa” são universalmente condenadas pela maioria dos países e organismos internacionais, embora as respostas específicas variem:
- Condenação Pública e Apoio Diplomático: Governos e organizações internacionais, incluindo os Estados Unidos e a União Europeia, frequentemente emitem declarações veementes condenando a retórica iraniana e reiterando seu apoio inabalável à segurança e existência de Israel.
- Apoio à Segurança de Israel: Os Estados Unidos, em particular, fornecem um apoio militar e de segurança substancial a Israel, que inclui a venda de armamentos avançados, o compartilhamento de inteligência e o desenvolvimento conjunto de sistemas de defesa antimísseis, como o sofisticado Domo de Ferro. Esse apoio visa fortalecer a capacidade de Israel de se defender contra potenciais ataques do Irã e de seus aliados.
- Estratégias de Diplomacia e Dissuasão Ativa: Há um esforço contínuo para dissuadir o Irã de ações agressivas, utilizando uma combinação de sanções, pressão diplomática e a manutenção de uma postura de prontidão militar. Israel, por sua vez, tem adotado uma estratégia que muitos consideram proativa e, por vezes, preventiva, incluindo ataques aéreos em território sírio contra alvos iranianos e de seus proxies (como o Hezbollah), bem como operações secretas dentro do próprio Irã para atrasar seu programa nuclear. Notícias recentes sobre ataques israelenses contra alvos iranianos demonstram a escalada contínua da tensão e a determinação de Israel em responder às ameaças percebidas.
Em resumo, a comunidade internacional se encontra diante do delicado e complexo desafio de equilibrar a necessidade urgente de conter as ambições nucleares do Irã e sua retórica hostil com o objetivo igualmente crucial de evitar uma escalada descontrolada que possa precipitar um conflito regional ainda maior. As sanções e a diplomacia continuam sendo as principais ferramentas, mas a tensão permanece extremamente alta, e a situação é monitorada com máxima atenção por todos os atores envolvidos na esperança de que a racionalidade e a busca pela paz prevaleçam.
A Juventude Iraniana: O Grito Silencioso e a Promessa de um Futuro Melhor
Aqui reside, talvez, a mais poderosa e subestimada força motriz para a mudança no Irã e, consequentemente, para a estabilidade regional: a juventude iraniana. A ideia de que essa vasta parcela da população estaria “do lado de Israel” é uma simplificação excessiva, mas a realidade é que sua complexidade e seu profundo descontentamento com o regime são a verdadeira chave para a esperança.
A juventude iraniana, assim como qualquer segmento populacional, é incrivelmente diversa, e suas opiniões sobre Israel, o regime teocrático e o Ocidente são moldadas por uma miríade de fatores. No entanto, o que é inegável é a insatisfação generalizada e crescente com o regime teocrático. Milhões de jovens iranianos anseiam por mais liberdade social, política e econômica, um futuro com oportunidades e o fim da repressão. Essa insatisfação se manifestou em ondas de protestos, como os de 2022 após a morte de Mahsa Amini, que chocaram o mundo pela sua escala e a brutalidade da resposta estatal [7].
Embora bombardeados pela propaganda estatal que demoniza Israel e o Ocidente, muitos jovens iranianos têm acesso à internet e a fontes de informação independentes, o que lhes permite formar suas próprias opiniões, frequentemente divergentes da linha oficial. Essa busca por uma perspectiva mais equilibrada leva a um desejo palpável por normalidade e paz. Cansados das sanções, do isolamento internacional e da constante retórica de guerra, muitos jovens aspiram a uma vida comum, repleta de oportunidades, e a um Irã que esteja em paz com o mundo. Essa aspiração naturalmente se traduz em um desejo de desescalada das tensões com outros países, incluindo Israel.
É crucial entender que essa insatisfação e o anseio por paz não se traduzem automaticamente em um apoio direto ou incondicional a Israel. As críticas às políticas do governo iraniano não significam que os jovens iranianos aceitem a narrativa do “inimigo sionista” proposta pelo regime, mas também não os tornam automaticamente “pró-Israel”. Muitos iranianos, mesmo dissidentes do regime, têm uma profunda preocupação com o destino de seu próprio país e não desejam que ele seja bombardeado ou que uma mudança de regime venha por meio de intervenção estrangeira, o que poderia desencadear mais sofrimento e instabilidade. Além disso, uma parcela significativa da juventude iraniana, embora oposta ao regime, pode nutrir solidariedade com a causa palestina e manter uma postura crítica em relação às políticas de Israel nos territórios ocupados.
O regime iraniano, por sua vez, enxerga a juventude com uma mistura de suspeita e necessidade. Por um lado, os jovens são vistos como um grupo vulnerável à “contaminação” por ideais ocidentais e uma força potencialmente desestabilizadora. Por outro, eles representam a força de trabalho e o futuro demográfico do país, o que leva o regime a tentar cooptá-los através de programas sociais, educacionais e ideológicos, ao mesmo tempo em que mantém uma repressão contínua para controlar a dissidência. Israel e muitos de seus aliados ocidentais, conscientes dessa dinâmica, veem a população iraniana, e especialmente a juventude, como um potencial aliado estratégico na contenção do regime. Acredita-se que, ao contrário da liderança teocrática, grande parte da população iraniana não nutre um ódio inerente a Israel, e pode ser um fator-chave para a mudança interna. A comunicação de Israel com o povo iraniano, frequentemente através das redes sociais e veículos de notícias em persa, busca fomentar essa dissidência, enfatizando que a disputa é com o regime, não com o povo.
A Batalha pelo Controle da Informação: Censura Versus Resiliência Digital
A luta entre o regime iraniano e sua juventude se manifesta de forma mais nítida no campo digital. As redes sociais se tornaram um verdadeiro campo de batalha, onde o acesso à informação e a capacidade de comunicação são cruciais.
O regime iraniano almeja construir uma “intranet nacional” ou “Internet Halal”: uma rede controlada e isolada da internet global que permitiria o controle total do fluxo de informações, o bloqueio de conteúdos indesejados e o monitoramento da atividade online. Para isso, ele emprega um sofisticado “Grande Firewall do Irã”, que inclui:
- Bloqueio Abrangente: Milhares de sites são bloqueados, incluindo redes sociais (Facebook, X, Instagram, WhatsApp, Telegram, YouTube), sites de notícias internacionais e plataformas de conteúdo crítico, utilizando filtragem de IP e DNS [8].
- Controle de Tráfego e Vigilância: Há um esforço contínuo para rotear todo o tráfego da internet através de pontos de controle estatais, permitindo a Inspeção Profunda de Pacotes (DPI) para identificar e bloquear ferramentas de contorno.
- Aceleração/Desaceleração Seletiva: Em momentos de protesto, o regime frequentemente reduz drasticamente a largura de banda da internet em todo o país ou em áreas específicas, dificultando o acesso e a comunicação.
- Alternativas Nacionais Falhas: O regime tenta promover plataformas nacionais controladas, mas estas geralmente falham em conquistar a confiança e a adesão da população devido à censura e à inferioridade tecnológica.
- Legislação Repressiva: Leis severas criminalizam o uso de VPNs e o acesso a conteúdo proibido, acompanhadas de vigilância online intensiva para identificar e punir dissidentes.
Apesar desses esforços, a juventude iraniana demonstra uma resiliência digital notável. São tecnologicamente astutos e altamente motivados a romper as barreiras informacionais:
- VPNs como Escudo: As Redes Virtuais Privadas (VPNs) são a ferramenta mais popular e essencial, criptografando o tráfego e roteando-o por servidores estrangeiros. Embora o regime tente bloquear provedores de VPN, novos serviços surgem constantemente, e os usuários compartilham ativamente informações sobre quais funcionam.
- Proxies e Tor: Além das VPNs, muitos utilizam servidores proxy e a rede Tor (The Onion Router) para navegação anônima e acesso a sites bloqueados. O Tor, em particular, é mais difícil de rastrear.
- Aplicativos Criptografados e Adaptação Rápida: Quando plataformas são bloqueadas, os usuários migram rapidamente para outros aplicativos com criptografia forte, ou encontram maneiras de continuar usando os bloqueados via VPNs. A velocidade de adaptação é fundamental.
- A Promessa da Starlink: Em momentos de crise, o apelo por tecnologias como a Starlink de Elon Musk se intensifica. Embora a implementação seja um desafio logístico e o regime tente bloqueá-la, a Starlink representa uma ameaça futura ao controle de internet do Irã, pois é mais difícil de ser censurada localmente.
- Redes Informais de Conhecimento: Existe uma rede ativa de ativistas e usuários comuns que trocam informações sobre novas VPNs, proxies e métodos para contornar a censura. Essa inteligência coletiva cria um ciclo vicioso para o regime, que está sempre um passo atrás.
Essa “guerra” cibernética entre o regime e a população é um campo de batalha constante. O governo investe pesadamente em tecnologia de censura, enquanto a juventude busca incessantemente novas formas de acessar o fluxo livre de informações. Essa resiliência digital não é apenas um ato de desafio; é um fator crucial na luta por mudanças sociais e políticas no Irã, pois permite que a população se mantenha informada, se organize e desafie a narrativa oficial, mantendo viva a esperança de um futuro mais aberto e livre.
Conclusão: A Juventude Iraniana como Veto à Instabilidade Regional
Diante de um panorama tão complexo, a comunidade internacional deve adotar uma abordagem que transcenda as simplificações e as polarizações. É imperativo manter a pressão sobre o regime iraniano para que cesse suas ameaças e abandone seu programa nuclear militar, utilizando todas as ferramentas diplomáticas e econômicas disponíveis. Contudo, é igualmente vital investir no apoio à sociedade civil iraniana e amplificar suas vozes, facilitando o acesso à informação livre e defendendo os direitos humanos fundamentais.
A juventude iraniana não é apenas um grupo demográfico; é uma força motriz com um potencial transformador imenso. Sua profunda insatisfação com o regime, sua determinação em romper as barreiras da censura e seu anseio por um futuro de liberdade e oportunidades são sinais claros de que a mudança é inevitável. Um Irã mais livre e aberto, impulsionado por sua própria população, seria, em última análise, um parceiro muito mais estável para a paz regional e para a comunidade global.
A esperança para o Oriente Médio, tão frequentemente obscurecida por conflitos e antagonismos, pode, de fato, residir na capacidade do mundo de reconhecer e apoiar essa geração resiliente. A juventude iraniana, com sua coragem e sua luta diária por um amanhã diferente, é a chama que pode iluminar um novo horizonte para o país e para toda a região, onde a coexistência e o respeito prevaleçam sobre a hostilidade e a opressão.
Referências
[1] United Nations. (n.d.). The Question of Palestine. Disponível em: https://www.un.org/unispal/ (Acesso em 20 de junho de 2025).
[2] PLO Negotiations Affairs Department. (n.d.). The Oslo Accords. Disponível em: https://www.nad.ps/en/negotiations/agreements-documents/oslo-accords (Acesso em 20 de junho de 2025).
[3] Shlaim, A. (2000). The Iron Wall: Israel and the Arab World. W. W. Norton & Company.
[4] International Atomic Energy Agency (IAEA). (n.d.). IAEA and Iran. Disponível em: https://www.iaea.org/iran-safeguards (Acesso em 20 de junho de 2025).
[5] United Nations Security Council. (n.d.). Sanctions on Iran. Disponível em: https://www.un.org/securitycouncil/sanctions/iran (Acesso em 20 de junho de 2025).
[6] U.S. Department of State. (n.d.). Joint Comprehensive Plan of Action (JCPOA). Disponível em: https://www.state.gov/joint-comprehensive-plan-of-action-jcpoa/ (Acesso em 20 de junho de 2025).
[7] Amnesty International. (n.d.). Iran: Protestes Após a Morte de Mahsa Amini. Disponível em: https://www.amnesty.org/en/location/middle-east-and-north-africa/iran/ (Acesso em 20 de junho de 2025).
[8] Access Now. (n.d.). Iran: Internet Shutdowns and Censorship. Disponível em: https://www.accessnow.org/country/iran/ (Acesso em 20 de junho de 2025).