Quando um tirano morre, seu reinado acaba. Quando um mártir morre, seu reinado começa. Søren Kierkegaard
O brutal assassinato do ativista conservador americano Charlie Kirk na última quarta-feira trará inúmeras repercussões na Política americana e na política global ao longo dos próximos anos, o assassinato de Kirk é a última peça em uma escalada de violência política inédita nos Estados Unidos desde os anos 60 quando bons homens, assim como Kirk foram vítimas dessa violência política como John Kennedy e Martin Luther King, quando essas figuras foram assassinadas, houve unificação nacional, o sentimento patriótico americano falou mais alto que as diferenças políticas existentes. O mesmo aconteceu no 11/09.
Quando Donald Trump sofreu também uma tentativa de assassinato durante um comício no último ano eu escrevi um artigo dizendo que a política deveria voltar a ser entediante… aquilo parecia o máximo que as coisas chegariam… até a última quarta-feira. A enxurrada de mensagens nas redes sociais comemorando, justificando o seu assassinato e desumanizando Kirk ultrapassa qualquer limite da decência humana e coloca ainda mais fogo num incêndio que já vem tomando grandes proporções.
Qualquer um que diga que Kirk era um radical está mentindo, Kirk defendia com enorme firmeza os seus princípios mas nunca se esquivou de nenhum debate, nenhuma pergunta, e inclusive pedia que seus rivais intelectuais fossem tratados com respeito nos seus eventos. Kirk era apenas um ano mais velho que eu, era um bom marido, um bom pai cujos dois filhos ele não verá crescer, e que terão de crescer sem a sua presença devido a ação de um criminoso. Kirk tinha um futuro brilhante pela frente, seja na política, como ativista ou como intelectual público e foi assassinado unicamente por defender os seus valores e os seus princípios e com um agravante, dentro do local que deveria representar a consagração máxima da liberdade de expressão, uma universidade.
A morte de Kirk é uma crise política por duas razões bem simples: A primeira é que se os democratas não recuperarem sua linha de ação histórica e tradicional que também antagonizava o progressismo até a ascensão de Barack Obama muito provavelmente não vencerão eleições nacionais por ao menos duas gerações, as lideranças democratas perderam o controle dos seus cachorros loucos, os progressistas eram usados como minoria barulhenta enquanto era apenas discurso porque era útil para as elites democratas, em especial para fazer lavagem cerebral nos mais jovens, os idiotizar e patrocinar causas ineficientes, imorais e por que não, demoníacas, porém o progressismo não conhece limites… alguém com a mente já tomada por esse conjunto de ideologias nefastas ao ver o discurso público e político dos democratas se sente não só autorizado moralmente mas praticamente a agir… Kirk pagou com a vida mais de uma década de discursos irresponsáveis por parte dos democratas… e eles irão pagar nas eleições, as mid-terms que até a última semana indicavam que seria difícil para Trump manter o controle sobre câmara e senado agora se modificam, o partido republicano cerra fileiras, e o presidente amplia seu poder.
O segundo motivo que torna o assassinato de Kirk uma crise política é que essa década de discursos irresponsáveis dos democratas agora será respondida não por uma busca por justiça por parte dos republicanos, mas por vingança. Qualquer observador político com uma formação realista consegue prever com relativa exatidão o que virá a seguir, e para o azar dos democratas, de nada adianta que os mais moralistas da direita tentem agir, porque a histeria progressista democrata foi tão grande que os moderados dentro da direita que já eram minoritários desde 2016 agora se tornarão um nicho muito pequeno para ser capaz de impedir que a direita cometa os exatos mesmos erros que a esquerda cometeu, uma década sendo perseguidos na mídia, na academia, no mundo corporativo, tratados como cidadãos de segunda classe pela indústria do entretenimento, vendo até mesmo seus esportes serem transformados em armas contra eles, e agora um dos seus é morto de forma fria e calculista… Haverá um acerto de contas, ele também irá passar dos limites assim como a histeria progressista passou, mas não existe nada a ser feito para impedir. O Rubicão foi cruzado.
A morte de Kirk também escancara uma crise moral, Kirk passou pelo mesmo processo de desumanização que os progressistas vem conduzindo sistematicamente em relação aos judeus e israelenses desde o atentado terrorista do Hamas em solo israelense em Outubro de 2023. Não importa que a posição progressista seja esvaziada de lógica, afinal os progressistas seriam os primeiros a morrer na mão do Hamas mas desde que se patrocine o ódio contra alguns alvos em especial, todos eles associados de uma maneira ou outra ao que constitui o Ocidente enquanto civilização. Jovens americanos chegaram a dizer que Kirk mereceu, que alguém tinha que fazer o serviço, outros lamentaram que se tivessem matado Kirk antes, talvez Trump não teria vencido ás eleições, outros tantos pediram para que fizessem o mesmo com Elon Musk e outras figuras públicas associadas ao partido republicano. Esse tipo de sujeira moral também está no Brasil, no último mês os partidários dessa mesma ideologia desejaram a morte de uma criança porque sua mãe teria comprado uma bolsa de grife para ela, e também desejaram a morte do ministro Luis Fux por ele ter sido a única voz decente dentro do STF na farsa do julgamento de Jair Bolsonaro.
É muito difícil encarar o que aconteceu apenas por uma ótica de filosofia política ou moral, pois essa guerra cultural, se já não era, agora sem dúvidas também é espiritual. Na obra a Loucura das Multidões (2019), o renomado conservador britânico Douglas Murray escreveu que a cultura woke é a religião dos que perderam a fé em Deus e procuram substitui-lo por qualquer coisa que seja, e então direcionam o seu ódio para aqueles percebidos como arcaicos e retrógrados que não apenas possuem mas tornam público sua fé.
Agora precisamos voltar alguns anos no tempo e resgatar o legado de um dos maiores líderes do século XX, o Papa João Paulo II. Em 1978, quando o polonês foi eleito papa, poucos acreditavam no que a próxima década iria representar, para além da ressaca do Watergate que derrubou Richard Nixon no plano interno, os Estados Unidos também tinham que lidar no plano internacional com um poderoso departamento de propaganda advindo da União Soviética, o Glavit, que passava para o ocidente a impressão de que a URSS era um império impossível de ser combatido, quanto mais derrotado. Por se tratar de uma ditadura, e das mais implacáveis que se tem registro, A URSS controlava toda e qualquer atividade intelectual no país. “Com as verdades reprimidas, mentiras em cada campo foram incessantemente esfregadas na imprensa, em intermináveis reuniões, na escola, em manifestações de massa, na rádio.” (CONQUEST, 2000, p 101). Quem se atrevesse a questionar qualquer coisa que estivesse fora da linha partidária oficial estava condenado aos Gulags ( a versão soviética dos campos de concentração nazistas).
Como apontado pelo historiador Peter Kenez “a noção de propaganda soviética vinha desde a educação” (KENEZ, 1985,p 8). Orlando Figes, um dos maiores especialistas na história da Rússia explicava o modelo soviético da seguinte maneira
Nós devemos transformar os jovens em uma geração de comunistas. As crianças, assim como uma cera macia, são maleáveis e deveriam ser moldadas para se tornarem bons comunistas… Devemos salvar as crianças da influência nociva da família… Precisamos nacionalizá-las. Desde os pequenos dias de suas vidas, elas devem se encontrar sob a influência benéfica das escolas comunistas… Obrigar a mãe a entregar sua criança ao Estado Soviético – esta é a nossa tarefa. (FIGES, 2008, p 20)
Apesar da crueldade e imoralidade do regime soviético. O início e o meio da Guerra Fria foi marcado pela percepção de superioridade soviética em quase todos os campos, mesmo na economia, renomados economistas ocidentais como o primeiro vencedor do Nobel americano Paul Samuelson previam que a economia soviética derrubaria a americana “A economia soviética é a prova cabal de que, contrariamente àquilo em que muitos céticos haviam prematuramente acreditado, uma economia planificada socialista pode não apenas funcionar, como também prosperar.” (SAMUELSON, 1961, p 837).
A Supremacia inicial do Glavit se dava devido ao tempo de atuação, ele existia desde 1921, fundado ainda sob o governo de Lênin na URSS. No início dos anos 50 a CIA (Central Inteligence Agency) ainda estava engatinhando, havia sido criada em 1947 pelo presidente Harry Truman (Democrata). Portanto os Estados Unidos eram extremamente suscetíveis a propaganda soviética, que por razões óbvias, ampliava muito os feitos soviéticos.
Foi nesse mundo que o Papa João Paulo II começou a sua jornada como líder da Igreja Católica. Primeiro ele se dedicou a libertar o seu próprio país, a Polônia do controle soviético (a Polônia não era parte da URSS, mas funcionava como um estado satélite da mesma). João Paulo II reconheceu algo naquele conflito que mesmo diplomatas experientes como George Kennan e Henry Kissinger deixaram passar, era uma batalha não apenas política e moral, mas também espiritual.
Foi necessário que o papa lembrasse os seus conterrâneos de que eles eram capazes de se contrapor ao domínio soviético os lembrando de que eles deveriam acima de tudo ser livres e se levantar contra o totalitarismo soviético seria fundamental na batalha para que o bem vencesse o mal.
O historiador John Lewis Gaddis apontou que a dimensão do conflito material da Guerra Fria seria, isoladamente, incapaz de vencer o conflito, era necessário capturar mentes e corações, ninguém mais capacitado para isso do que o Papa João Paulo II que com imaginação, determinação e fé se tornou o terceiro eixo responsável para a queda da URSS. A maestria política de Margaret Thatcher foi fundamental para liberar o Reino Unido de décadas de governo trabalhista, a forte liderança moral de Ronald Reagan guiou os Estados Unidos para a vitória, mas sem a dimensão espiritual fornecida por João Paulo II talvez o resultado teria sido outro.
Resgatei o contexto da Guerra Fria pois a realidade atual guarda inúmeras semelhanças, a diferença é que o inimigo não é mais o comunismo soviético, mas sim o progressismo. A civilização ocidental precisa encarar o progressismo da mesma maneira que encarou o comunismo soviético, colocar o combate a ele como prioridade máxima, entender que estão lidando com uma ameaça existencial direcionada a tudo aquilo que nos é percebido como algo de valor e que vale a pena defender, e agir de forma a salvaguardar aquilo que nos constitui e reputa valor como civilização. O papa Leão XIV tem a chance de repetir a ação de João Paulo II e servir como uma estrela guia para a atual geração da mesma maneira que João Paulo II foi para aqueles que viveram durante a Guerra Fria.
A equipe do Hermenêutica Política expressa suas condolências à toda a família de Kirk, seus amigos e seguidores.
Referências Bibliográficas
CONQUEST, Robert. Reflections on a Ravaged Century. Londres. John Murray. 2000
FIGES, Orlando.The Whisperers: Private Life in Stalin´s Russia. Bristol. Allen Lane. 2008
GADDIS, John Lewis. The Cold War: A New History . Nova Iorque. Penguim Books. 2007
KENEZ, Peter. The Birth of the Propaganda State: Soviet Methods of Mass Mobilization: 1917-1929. Cambridge. Cambridge University Press. 1985
O´SULLIVAN, John . O Presidente, O Papa e a Primeiro Ministro. São Paulo. LVM Editora. 2023
SAMUELSON, Paul. Economics: An introductory analysis. Columbus. McGraw Hill. 1961